Colaboração para o UOL, em Campinas (SP)
03/04/2025 05h30
A sigla ESG se consolidou como um conceito fundamental para os empresários de todo o mundo nos últimos anos, abordando temas relacionados ao meio ambiente, à responsabilidade social e à governança. No entanto, as pautas de Donald Trump em seu retorno à presidência dos Estados Unidos e uma decisão do CFA Institute, de trocar o nome do certificado ESG para “Investimentos Sustentáveis”, geraram dúvidas: será que o conceito está em decadência?
Especialistas ouvidos pelo UOL acreditam que não. Apesar de parecer uma regressão, o ESG ainda permanece extremamente relevante no mundo. O que muda é apenas o termo, para tirar a “carga política” que as três letras passaram a carregar.
O que aconteceu
Em 8 de abril, o Certificado em Investimentos ESG do CFA Institute será renomeado para Certificado em Investimentos Sustentáveis. Segundo a publicação no site do instituto, essa mudança reflete a evolução do conceito ESG, agora descrito como ‘investimentos sustentáveis’, com foco em impactos de longo prazo. O currículo continuará o mesmo, e os candidatos estudarão os mesmos tópicos relacionados a questões ambientais, sociais e de governança. Quem já obteve o certificado vai receber uma nova versão com a nomenclatura diferente. A organização global sem fins lucrativos voltada para profissionais de investimentos e finanças foi uma das principais defensoras do conceito ESG
Decisão do CFA Institute reflete uma mudança de posicionamento mais relacionada à comunicação do que à essência das práticas. A opinião é de Fernanda Toledo, CEO da IntelliGente Consult, empresa especializada em ESG com foco em sustentabilidade. Ela afirma que o termo, especialmente nos Estados Unidos, ficou “politicamente carregado”, o que levou à mudança de abordagem para evitar conflitos.
Na minha visão, como especialista em direitos humanos, responsabilidade social corporativa e sustentabilidade, o ESG não está perdendo relevância — ele está evoluindo. E essa evolução não significa abandonar o termo, mas sim garantir que ele seja compreendido como uma ferramenta estratégica e não apenas como um rótulo.
– Fernanda Toledo, CEO da IntelliGente Consult
Política tem peso importante no uso e significado da expressão, e volta de Donald Trump pode ter relação com a decisão do CFT Institute. O chefe do Executivo americano é abertamente contrário às práticas sustentáveis. Como o Brasil tem uma pauta sustentável mais robusta, segundo Daniel Nogueira, sócio de consultoria e ESG da Crowe Macro Brasil, é natural que o tema seja tratado de forma diferente por aqui.
É claro que a gente sabe que, como esse assunto é um assunto politizado, muitas empresas estão tratando isso como um tema mais político do que, de fato, melhorias sociais, ambientais e de governança nas suas companhias. Então tem, sim, uma certa resistência, inclusive no Brasil, ao assunto ESG.
-Daniel Nogueira, sócio de consultoria e ESG da Crowe Macro Brasil
Empresas precisam analisar que diferenças dos contextos políticos dos dois países. A jornada da pauta ESG são completamente diferentes, como conta Jaime Almeida, diretor de Diversidade, Equidade e Inclusão da ABRH-SP (Associação Brasileira de Recursos Humanos), também professor de MBA da USP/Esalq. Ele afirma que o que já foi realizado na agenda de diversidade e inclusão no exterior, ainda que longe do ideal, está “anos-luz à frente do que vem sendo construído no Brasil.”
Precisamos separar as decisões tomadas pelo governo americano e impactos nos EUA e Brasil, já que, apesar da forte influência que recebemos de lá, ainda estamos muito atrás dos alcances já estabelecidos por eles.
-Jaime Almeida, diretor de Diversidade, Equidade e Inclusão da ABRH-SP (Associação Brasileira de Recursos Humanos) e professor de MBA da USP/Esalq
Sustentabilidade é a palavra da vez
Pesquisa mostra que empresas estão divulgando ainda mais relatórios de sustentabilidade. Raphael Henrique, gerente regional para América Latina do Top Employers Institute, autoridade global de práticas de recursos humanos, cita os resultados do levantamento World of Work Trends 2025, que mostra um aumento de 7 pontos percentuais na quantidade de grandes empresas que divulgam indicadores sociais e ambientais em comparação com o ano passado, saltando de 74% para 81% em 2025. “A decisão do CFA Institute reflete uma tendência observada principalmente nos mercados anglo-saxões, onde a sigla ESG tem sido questionada. No entanto, isso não significa que os princípios por trás do ESG estejam perdendo relevância, afirma.
Sustentabilidade é um termo falado desde os anos 1980, enquanto “ESG” foi criado pelo mercado financeiro para ser focado exclusivamente em métricas. É o que explica Liana Peçanha, professora doutora dos cursos de Administração, Marketing e Ciências Econômicas da Universidade Anhembi-Morumbi. Ela pondera que o termo é criticado na Europa e nos Estados Unidos porque nunca houve uma preocupação de fato com o que significado das ações, e que isso pode ter banalizado o termo. “Essas empresas priorizam a conformidade em detrimento do que seria realmente o ESG autêntico, aquele que, quando nasceu, pensava em medir de fato uma cultura conduta corporativa”, afirma.
Professora concorda que “banalização” do termo também pode chegar ao Brasil, e que é possível que o “ESG” deixe de ser falado. Peçanha, inclusive, é um exemplo: ela não está mais usando a sigla nos projetos que cria, e preferiu adotar a palavra “sustentabilidade”. “Porque eu sei que, nós vamos brevemente, tudo que está fora do país é com acaba sendo incorporado aqui, então futuramente nós também teremos essa palavra em desuso”, responde. Mas isso não impede de continuar seguindo as práticas sociais, ambientais e governamentais.
Geração Z pede mais resultados
Novas gerações pressionam por maior transparência e responsabilidade corporativa, segundo a pesquisa. Geração Z tem participação fundamental nisso, conforme disse Raphael Henrique, da Top Employers Institute. Além disso, os dados mostram a crescente integração da sustentabilidade em processos de RH (Recursos Humanos), como gestão de desempenho (+4 p.p. em comparação à pesquisa realizada no ano passado) e reconhecimento (+2 p.p.).
Empresas que integram ESG às suas práticas têm equipes mais envolvidas e alinhadas aos valores organizacionais. Esse cenário reflete um crescimento na adoção de práticas sustentáveis em áreas como reconhecimento e performance, consolidando a sustentabilidade como um pilar estratégico para as empresas certificadas.
-Raphael Henrique, gerente regional para América Latina do Top Employers Institute
Brasil segue trajetória de fortalecimento, com 87,5% das empresas divulgando, espontaneamente, relatórios de sustentabilidade. Ainda conforme a pesquisa do Top Employers Institute, 90,28% das empresas certificadas no país tem uma cultura que apoia e viabiliza a sustentabilidade, enquanto ao redor do mundo são 85,77%. “A sustentabilidade já integra processos como reconhecimento e gestão de desempenho, reforçando seu papel estratégico nas empresas”, acrescenta o gerente.
Movimento também reflete na Bolsa de Valores. Na B3, em São Paulo, há o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), que avalia a sustentabilidade das empresas listadas com base na eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança. Entre 2023 e 2024, o ISE cresceu 15%, de 66 para 76 ativos. Próximo número será atualizado em maio.
Para ser selecionada para compor um índice ESG, é necessário que a empresa cumpra com requisitos de liquidez e de sustentabilidade. O medido inclui a empresa informar práticas mínimas, ter uma pontuação acima da nota de corte dos participantes, não zerar nenhuma dimensão temática e não ter um alto risco reputacional em questões ESG.
“Diversidade não é uma moda. É um caminho sem volta e uma direção que temos que perseguir, não retroceder“. Afirmação é de Ana Buchaim, vice-presidente de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social da B3.
B3 possui ainda o IDIVERSA B3, primeiro índice de diversidade da América Latina que inclui raça/cor e gênero. Outro é o Anexo ASG, que incentiva as empresas a dar transparência nos números —como as novas gerações esperam.
Neste ano, com a realização da COP30 em Belém (PA), sentimos uma necessidade ainda mais intensa de fortalecer a pauta ESG e incentivar o desenvolvimento de negócios que promovam mudanças positivas para o planeta e para a sociedade.
-Ana Buchaim, vice-presidente de Pessoas, Marketing, Comunicação, Sustentabilidade e Investimento Social da B3
Apesar das iniciativas, o país ainda está em um “processo embrionário” da pauta ESG. A avaliação é do diretor da ABRH-SP, que vê o cenário com um tom crítico. Jaime Almeida afirma que “quem paga a conta das mazelas” é a população sub-representada nas organizações. “Em uma organização que não se resguarda com um processo de governança eficiente, os prejuízos são anunciados e quem primeiro perde o emprego é quem está na ponta e mais necessita daquele serviço para alimentar a família”, exemplifica.
Por isso, Almeida não acredita em grandes impactos para as práticas ESG. Porém, crê na coerência das empresas em dar continuidade aos projetos. “As empresas que já evoluíram de forma significativa nesse todo ou em partes do ESG precisam compartilhar as experiências e benefícios de suas realizações, e as empresas que ainda não avançaram mas que têm a intencionalidade de fazê-lo poderão acelerar sua curva de aprendizado e progredir de forma sustentável”, finaliza.
Leia a matéria original do UOL em ESG está caindo em desuso? No Brasil, não